Vozes que fazem a diferença: uma conversa com o líder comunitário João Carlos de Souza
Em um cenário urbano em constante transformação, onde os desafios sociais se somam às carências de infraestrutura, é no engajamento comunitário que surgem as mudanças mais significativas. Para entender melhor como essa mobilização coletiva está impactando bairros da região litorânea, conversamos com João Carlos de Souza, líder comunitário há mais de 15 anos na Vila Esperança, um bairro antes marcado pela invisibilidade e hoje em pleno processo de revitalização.
Quando liderar é mais que representar: o nascimento de uma voz ativa
Na conversa com o Jornal dos Bairros Litoral, João Carlos não perde tempo com firulas. Aos 49 anos, fala com a clareza de quem vive na pele os desafios da comunidade:
“Eu nunca pensei em ser líder comunitário. Eu era pedreiro, pai de três filhos, e só queria ver minha rua asfaltada. Foi quando vi que ninguém ia fazer por nós que resolvi começar. E não parei mais.”
O ponto de virada foi uma enchente em 2008 que deixou 30 famílias desalojadas. João se mobilizou, bateu de porta em porta, organizou mutirões e criou pontes — literalmente e politicamente — para solucionar problemas básicos. Desde então, tornou-se referência em mobilização cidadã.
Transformações concretas: do esgoto a céu aberto à praça comunitária
Ao caminhar pelas ruas da Vila Esperança hoje, é perceptível o impacto da atuação da comunidade através de sua liderança. Onde antes havia esgoto a céu aberto, hoje existe um sistema de drenagem implantado com a ajuda de um projeto municipal articulado por João e aprovado com abaixo-assinado do bairro.
“A gente percebeu que só com o poder público não ia dar. Então começamos a ir atrás de parcerias com ONGs, projetos sociais e universidades. Assim conseguimos apoio técnico e mão de obra voluntária.”
Entre as conquistas, destacam-se:
- Criação do Centro Comunitário da Vila Esperança, que oferece aulas de reforço escolar e cursos profissionalizantes;
- Revitalização da praça central, com brinquedos reciclados, bancos comunitários e canteiros mantidos pelos próprios moradores;
- A centralização de atendimento social local, evitando o deslocamento de idosos e mães com crianças para outros bairros.
Engajamento que inspira: o papel das mulheres e dos jovens
Um dos aspectos mais marcantes da atuação de João Carlos é o incentivo à participação coletiva. Ele entende que mudanças duradouras dependem da inclusão real de diferentes vozes:
“No começo, só os mais velhos apareciam nas reuniões. Mas comecei a chamar as mulheres que organizavam festas, os adolescentes que faziam grafite, até os que jogavam bola na rua. Era preciso que todos se sentissem parte.”
Hoje, o conselho da comunidade da Vila Esperança é composto majoritariamente por mulheres, e adolescentes participam ativamente na organização de eventos e na manutenção dos espaços públicos. João acredita que isso é o segredo para a continuidade do trabalho, além de ser um antídoto eficaz contra o abandono de iniciativas comunitárias.
Críticas construtivas e a relação com o poder público
Questionado sobre como lida com a política local, João é pragmático: “Nem tudo pode ser briga. Mas também não dá pra ficar elogiando promessa vazia.”
Ele acredita que o poder público tem, sim, papel fundamental, mas não deve ser o único agente de transformação. Seu papel como líder comunitário é justamente o de fazer a ponte: apontar o que é urgente, propor soluções e cobrar prazos.
“Já fui chamado de chato, de insistente, de ‘aquele que só reclama’. Mas se a gente não fala, ninguém resolve. E também não basta só reclamar: tem que chegar com dados, com propostas viáveis. Eu não vou lá com grito, vou com planilha.”
Desafios atuais: de segurança à geração de renda
Com parte da infraestrutura resolvida, os desafios da Vila Esperança mudaram de natureza. Hoje, João identifica dois grandes dilemas: segurança pública e falta de oportunidades econômicas. O bairro ainda sofre com pequenos furtos e com a ausência de uma base policial por perto.
“Tentamos fazer uma ronda comunitária, com voluntários, mas também temos medo — somos pais e mães, a gente vai até certo ponto. Precisamos de presença do Estado.”
Já na questão da renda, João Carlos aposta hoje em parcerias com o setor privado para fomentar oportunidades de trabalho local, especialmente para jovens. Um projeto piloto está sendo testado em parceria com uma rede de supermercados para contratar aprendizes diretamente da comunidade.
Lições aprendidas: o que a Vila Esperança pode ensinar a outros bairros
Ao final da entrevista, João compartilha, sem qualquer pretensão, o que considera serem os pilares da transformação comunitária:
- Escuta ativa: “A liderança não começa falando, começa ouvindo.”
- Pequenas vitórias: “Não espere mudar o mundo — mude a calçada da sua rua.”
- Parcerias inteligentes: “Nem tudo se resolve com dinheiro, mas quase tudo melhora com bons aliados.”
- Persistência: “Vai ter reunião vazia, vai ter morador que não acredita. Continue. Uma hora, as sementes brotam.”
Olhando para frente: sonhos coletivos, passos firmes
João Carlos não planeja parar tão cedo. Perguntado sobre seus planos para os próximos anos, responde sem hesitar:
“Quero ver o bairro com uma biblioteca comunitária, quero levar internet gratuita pra todo mundo, e quem sabe, abrir uma rádio local feita pelos jovens do bairro. Tem muita voz boa aqui precisando de canal.”
Seu olhar vai longe, mas seus pés estão fincados na realidade do chão batido que ele ajudou a pavimentar, literal e simbolicamente. É dessa matéria que são feitos os líderes de verdade — dos que inspiram não pela promessa, mas pelo exemplo.
Numa era de discursos vazios e engajamento de fachada, ouvir João Carlos é um lembrete de que a cidadania vive nos detalhes. Uma calçada arrumada. Uma criança indo à escola segura. Uma reunião que começa com poucas pessoas e termina mudando um bairro inteiro.
Porque transformação comunitária é isso: silenciosa no começo, firme no processo, e visível — palavra por palavra, ação por ação — nos detalhes do dia a dia.