A força do artesanato local e sua valorização no mercado

A força do artesanato local e sua valorização no mercado

O artesanato como expressão cultural e econômica

É fácil associar o artesanato a lembranças afetivas: uma toalha de mesa bordada pela avó, uma escultura em madeira comprada numa feira local, ou ainda um colar feito à mão por uma artesã da região. Mas o artesanato é muito mais do que uma lembrança decorativa. Ele carrega saberes ancestrais, identidade cultural e, principalmente, potencial econômico.

Em tempos em que tanto se valoriza o que é autoral, sustentável e genuíno, o artesanato local ganha força como alternativa de renda e instrumento de valorização das tradições. Mas será que o mercado está, de fato, atento a essa potência criativa? E, mais importante: o que tem sido feito para que os artesãos ocupem mais espaço na economia formal?

Tradição que se reinventa

O Litoral do Paraná, como muitas outras regiões do Brasil, possui uma diversidade impressionante de técnicas artesanais: cestarias feitas com fibra de bananeira, cerâmica indígena, rendas de bilro e esculturas em conchas e madeira, só para citar algumas. Muitas dessas técnicas passam de geração em geração, mantendo viva uma herança cultural que, sem apoio, corre o risco de se perder.

Maria do Rosário, de Paranaguá, aprendeu a bordar com a mãe aos sete anos. Hoje, aos 54, ela mantém um ateliê na garagem de casa e vende suas peças em feiras culturais e pela internet. “Antes, isso era só um passatempo. Agora virou sustento”, afirma.

Rosário é um exemplo de como o artesanato pode se adaptar aos tempos modernos. Ela usa redes sociais para divulgar seu trabalho e aceita encomendas personalizadas via WhatsApp. O digital, portanto, virou aliado de quem, por tradição, sempre trabalhou no modo analógico.

Mercado promissor, mas cheio de desafios

Apesar do crescimento da procura por produtos artesanais – impulsionado também pelo consumo consciente e pela valorização do feito à mão –, os artesãos ainda enfrentam entraves significativos. Um dos maiores é a informalidade. Segundo dados do Sebrae, mais de 70% dos artesãos brasileiros trabalham na informalidade, o que dificulta acesso a crédito, qualificação e participação em políticas públicas.

Além disso, muitos esbarram na falta de acesso a canais de comercialização mais amplos. Participar de feiras e eventos exige logística, transporte, investimento em estandes e produtos com acabamento profissional. Nem todos conseguem bancar isso sozinhos. É aí que o apoio institucional se torna crucial.

Políticas públicas e iniciativas de fomento

Cidades como Antonina, Morretes e Guaratuba já vêm incentivando a valorização do artesão local com feiras permanentes, pontos de venda em espaços turísticos e capacitação em parceria com o Sebrae e universidades. Ainda está longe do ideal, mas é um começo.

Um bom exemplo é o projeto “Mãos Criativas”, desenvolvido em colaboração com a prefeitura de Matinhos. A iniciativa oferece oficinas de gestão de negócios, marketing digital e design de produto para mais de 40 artesãos cadastrados. Resultado? O faturamento médio mensal dos participantes aumentou em 35% em menos de um ano.

Aliás, aqui vai uma provocação: e se o artesanato local fosse encarado como negócio e não como hobby? Quantas oportunidades ficaríamos de explorar se enxergássemos o artesão como empreendedor da cultura?

Consumo consciente e identidade regional

Nos últimos anos, o consumidor também mudou. Hoje, ele se preocupa com a origem dos produtos, com o impacto ambiental daquilo que compra e com o valor agregado ao que consome. Comprar artesanato local é, nesse contexto, um ato político. É escolher fortalecer a economia do próprio território.

É também um ato de conexão. Cada peça carrega uma história: da fibra cultivada no quintal, do molde esculpido à mão, do bordado cuidadoso feito sob o som da rádio da comunidade. Quem consome artesanato, consome memória.

Por isso, iniciativas como o “Empório do Artesão”, inaugurado no centro de Pontal do Paraná, têm feito sucesso. O espaço reúne obras de dezenas de artistas locais e funciona como vitrine permanente. Além de estimular o turismo, promove o orgulho da identidade local.

Tecnologia e redes de apoio: os novos aliados

Engana-se quem pensa que o artesanato é avesso à tecnologia. Plataformas como Instagram e Etsy se tornaram canais poderosos de vendas e divulgação. Grupos de WhatsApp reúnem produtores, facilitam trocas e ajudam a organizar entregas conjuntas, otimizando transporte e reduzindo custos.

Além disso, redes de cooperativas e associações são essenciais para dar escala ao trabalho artesanal. Elas permitem a compra coletiva de insumos, a organização de eventos, a participação em editais de cultura e a promoção de formações gratuitas.

Só que tudo isso depende de organização. E sim, de vontade política. Sem políticas públicas consistentes, o artesão continua dependendo da própria sorte – ou carisma – para viver daquilo que produz.

O papel da mídia local na valorização do artesanato

Como veículos de comunicação da região, temos responsabilidade direta sobre a valorização das manifestações culturais. Mostrar o trabalho das comunidades criativas, dar voz aos artesãos, divulgar feiras e eventos: tudo isso contribui para dar visibilidade a um setor que ainda é marginalizado dentro da economia tradicional.

Quando escolhemos cobrir uma exposição de cerâmicas caiçaras, por exemplo, não estamos apenas divulgando um evento. Estamos ajudando a manter viva uma tradição. Estamos direcionando atenção e, com sorte, recursos a famílias que dependem desse ofício.

Mais do que espaço na agenda cultural, o artesanato precisa de espaço nas políticas públicas – e, aqui, também, no noticiário.

Por onde começar a valorizar o artesanato?

Se você chegou até aqui e se perguntou o que pode fazer para apoiar os artesãos locais, aqui vão algumas sugestões práticas:

  • Prefira presentes feitos por artesãos da sua cidade a produtos industrializados e sem procedência.
  • Participe das feiras de artesanato locais e converse com quem produz. O valor agregado vai bem além do objeto comprado.
  • Siga e compartilhe o trabalho de artesãos nas redes sociais. Visibilidade é moeda de troca importante.
  • Incentive que escolas da região incluam o artesanato nos currículos como forma de ensino da cultura local.
  • Pergunte aos comércios e pontos turísticos por produtos de origem regional. Onde há demanda, há oferta.

Se queremos, de fato, um litoral mais desenvolvido, essa construção passa, necessariamente, pela economia da cultura. A cidade que acolhe e dignifica seus artistas é a mesma que atrai visitantes, movimenta a economia e enriquece a identidade coletiva.

Se o artesanato é, como dizem, a alma de um povo, valorizá-lo é mais do que negócio: é um ato de resistência. E, convenhamos, toda boa história começa assim: com mãos habilidosas, olhos atentos e um pedaço de mundo que se transforma em arte.