Impactos das mudanças climáticas nos bairros litorâneos

Impactos das mudanças climáticas nos bairros litorâneos

As mudanças climáticas deixaram de ser uma previsão distante para se tornarem uma realidade presente – e quem mora nos bairros litorâneos já sente os seus efeitos. O aumento do nível do mar, a erosão costeira, os eventos climáticos extremos e a salinização dos solos estão mudando a rotina das comunidades costais e colocando em xeque o modo de vida em diversas regiões do litoral brasileiro.

Um desafio às portas dos bairros

Os bairros litorâneos, como Itajaí, Balneário Camboriú, Navegantes e outras cidades da nossa região, sempre foram vistos como áreas privilegiadas: próximo ao mar, com potencial turístico, qualidade de vida e natureza exuberante. Mas esse cenário também os torna extremamente vulneráveis. A proximidade com o oceano, que um dia foi sinônimo de privilégio, hoje representa um risco constante.

E não se trata de alarme falso. Um levantamento feito pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas revelou que o nível do mar na costa brasileira subiu em média 4 mm por ano nas últimas décadas. Pode parecer pouco, mas em uma década, isso representa 4 centímetros a mais. Agora, imagine esse aumento combinado com ressacas mais intensas, marés altas e regiões com infraestrutura deficiente para drenagem. O resultado? Alagamentos cada vez mais comuns — e perigosos.

Erosão costeira: quando o mar avança sobre a vida

Nos últimos anos, moradores de bairros como Praia Brava e Cabeçudas têm relatado episódios alarmantes de avanço do mar. Em alguns pontos, a faixa de areia já perdeu mais de 10 metros em menos de uma década. Árvores caíram, calçadas foram destruídas e algumas casas precisaram ser desocupadas preventivamente.

A erosão costeira é um fenômeno natural, mas o impacto das mudanças climáticas intensifica o processo. Tempestades mais severas e alterações no regime dos ventos reconfiguram o perfil das praias. E o que era território firme, torna-se instável.

A Prefeitura de Itajaí, por exemplo, já precisou realizar obras emergenciais de contenção de encostas e reposição de areia em algumas praias. Mas a questão vai além das soluções paliativas. Qual o plano de longo prazo? Como se proteger quando o solo desaparece sob os pés?

Sistemas de drenagem em xeque

Além da erosão, as chuvas torrenciais — cada vez mais frequentes e irregulares — sobrecarregam os sistemas de drenagem das cidades costeiras. Em bairros como São Vicente e Cordeiros, chuvas de apenas algumas horas deixam ruas intransitáveis, casas alagadas e moradores ilhados.

E o que antes era considerado um “problema eventual de verão”, agora já é visto quase como parte da rotina. Setembro de 2023 foi um exemplo simbólico: em menos de 48 horas, Itajaí registrou 120 milímetros de chuva — volume superior à média esperada para todo o mês. O resultado foi um colapso temporário das redes pluviais e prejuízos estimados em mais de R$ 3 milhões para comércios e residências afetadas.

Salinização do solo: o inimigo invisível

Outro efeito silencioso das mudanças climáticas é a salinização do solo em áreas próximas ao mar. Com a elevação do nível do oceano, a água salgada começa a infiltrar-se nos lençóis freáticos e a “invadir” os recursos de água doce. Em bairros com poços artesianos ou uso agrícola, isso significa perda de qualidade da água e dificuldade para manter culturas agrícolas e jardins urbanos.

Em Navegantes, produtores rurais das zonas costeiras já relatam queda na produtividade de plantações devido à alteração do pH do solo, tornando-o menos fértil. Em áreas urbanas, moradores notam que a água extraída de poços passou a ter sabor salgado ou sabor estranho — um problema que não só afeta o abastecimento, mas que também eleva os custos com filtragem e tratamento.

Comunidades vulneráveis: quem paga o preço mais alto?

Embora todos os bairros litorâneos estejam sujeitos aos efeitos das mudanças climáticas, as comunidades em situação de vulnerabilidade social são as mais afetadas. Moradias construídas em áreas de risco, sem infraestruturas adequadas, sofrem mais com deslizamentos, enchentes e falta de acesso a serviços de emergência.

Em Itajaí, áreas como o bairro Imaruí enfrentam constantes problemas de alagamento, com perdas materiais significativas. Famílias que muitas vezes não têm para onde ir ficam presas em uma rotina de reconstrução constante. E como reconstruir quando o próximo evento está logo à frente?

Adaptação urbana: o que está sendo feito?

A boa notícia é que já há movimentações por parte do poder público e de organizações da sociedade civil para buscar soluções estruturais. Algumas ações em andamento incluem:

  • Reforço em obras de macro e microdrenagem em bairros com histórico de alagamento;
  • Projetos de reflorestamento costeiro e proteção de dunas para conter erosão;
  • Elaboração de planos diretores com foco em resiliência climática;
  • Educação ambiental nas escolas voltada para a compreensão e mitigação dos riscos climáticos;
  • Incentivos à pesquisa de tecnologias verdes envolvendo saneamento e reaproveitamento de água da chuva.

Em Balneário Camboriú, por exemplo, a ampliação da faixa de areia da Praia Central — polêmica à parte — serviu de escudo natural contra as ressacas, complementando o papel das estruturas de contenção. Já em Itajaí, o projeto de mapeamento de áreas suscetíveis à elevação do nível do mar está sendo desenvolvido em parceria com universidades.

A participação da comunidade

Nenhuma política pública terá eficácia sem o envolvimento dos moradores. A adaptação às mudanças climáticas exige uma mudança de mentalidade coletiva. É preciso compreender o que está em jogo e agir de forma antecipada e colaborativa. O que isso significa na prática?

  • Evitar o descarte irregular de lixo para não obstruir bocas de lobo;
  • Denunciar ocupações irregulares em áreas de preservação costeira;
  • Participar das audiências públicas sobre planos diretores e zoneamentos costeiros;
  • Adotar soluções sustentáveis no dia a dia, como captação de água da chuva e telhados verdes;
  • Pressionar o poder público por obras que privilegiem a prevenção em vez da resposta emergencial.

Quem mora no litoral sabe que o mar ensina. Ele nos mostra que tudo está em constante movimento. Mas talvez seja hora de aprendermos, de fato, com esse movimento — e usá-lo a nosso favor. Ignorar os sinais pode custar caro demais.

O amanhã já começou

Enquanto alguns ainda tratam as mudanças climáticas como algo distante, aqui no litoral, elas já batem à porta — ou, em muitos casos, já entram casa adentro. A responsabilidade de reagir é coletiva. E o tempo para agir é agora.

Afinal, que tipo de litoral queremos deixar para as próximas gerações? Um litoral apenas bonito em fotos antigas, ou um litoral vivo, resistente e adaptado ao novo mundo que se apresenta?

Ficar parado já não é uma opção. E como diria o velho ditado local: “quem espera a maré baixar, pode acabar engolido por ela”.