Uma engrenagem silenciosa: como o turismo movimenta a economia das cidades costeiras
Nas manhãs de verão, quando as calçadas da orla mal cabem mais um guarda-sol e os aromas de peixe frito dominam as esquinas, poucos se dão conta do que acontece por trás do cenário paradisíaco. O turismo, muitas vezes considerado apenas como lazer, é um dos motores mais potentes da economia das cidades litorâneas. Mas até que ponto isso sustenta – ou sobrecarrega – a estrutura desses municípios?
Turismo como vetor de desenvolvimento econômico
Não há dúvidas: o turismo injeta capital direto na economia local. Hotéis, pousadas, restaurantes, bares, comércio ambulante, empresas de passeios turísticos… todos se beneficiam do fluxo de visitantes. Para se ter uma ideia, dados do Ministério do Turismo mostram que em cidades como Balneário Camboriú, Florianópolis e Guarujá, até 40% do PIB municipal pode se originar, direta ou indiretamente, da atividade turística.
Esse impacto se torna ainda mais evidente quando olhamos para o volume de empregos gerado. Muitos trabalhadores encontram no verão a chance de completar ou até mesmo garantir sua renda anual. São motoristas de aplicativo, diaristas, guias de turismo, vendedores e prestadores de serviço em geral que contam com essa alta sazonal.
E não para por aí. O turismo impulsiona também setores que, à primeira vista, não estão diretamente ligados à recepção de turistas, como a construção civil – alimentada pela valorização imobiliária – e a indústria de alimentos, que acelera sua produção para atender à demanda de bares e restaurantes lotados.
Exemplos que ilustram essa alavanca econômica
Em Itanhaém, no litoral sul paulista, a presença de turistas dobra a população nos meses de verão. Mercados locais chegam a triplicar o volume de vendas, e a contratação temporária cresce até 60% em setores como limpeza urbana e atendimento ao público. Em Bombinhas (SC), alguns empresários chegam a faturar em três meses o que muitos não conseguem registrar durante todo o ano em cidades do interior.
Esses ganhos econômicos, no entanto, vêm acompanhados de desafios. A sazonalidade típica do turismo costeiro deixa brechas e pontos cegos. O que fazer nos meses de baixa movimentação? Como manter a sustentabilidade econômica de uma cidade que depende do afluxo externo e pontual?
O lado B do turismo: dependência, pressão e desigualdade
À medida que o turismo se torna a principal fonte de renda local, surge também um grau elevado de dependência. Cidades pequenas, com orçamentos ainda limitados, investem quase exclusivamente em infraestrutura voltada para o turista, deixando serviços básicos muitas vezes em segundo plano.
Além disso, há um custo evidente: saneamento sobrecarregado, trânsito caótico, aumento do lixo, pressão sobre os serviços de saúde e segurança. Quem vive na cidade o ano todo sente – e paga – essa conta.
Em algumas regiões, essa pressão faz com que o morador local seja afastado dos centros turísticos por conta da valorização imobiliária. Ilhabela é um caso emblemático: o preço dos aluguéis subiu tanto que muitos trabalhadores têm que vir de ferry todos os dias da cidade vizinha porque não conseguem mais morar na própria ilha onde trabalham.
Uma oportunidade para repensar o planejamento urbano
Com os lucros do turismo, abre-se uma janela importante: a de planejar e investir em infraestrutura que beneficie também os moradores permanentes. Mas isso exige visão de longo prazo. Não basta maquiar a cidade nos meses de alta temporada. É preciso criar um modelo que distribua melhor as oportunidades e diminua as desigualdades causadas pelo setor.
Apostar na diversificação da economia, por exemplo, pode ajudar a reduzir a dependência dos picos turísticos. Incentivar o empreendedorismo local – como produção artesanal, ecoturismo e gastronomia sustentável – contribui não só para preservar a cultura local, mas também mantém a roda girando o ano inteiro.
Em Paraty (RJ), uma série de iniciativas sustentáveis vem transformando a relação entre turismo e moradores. Feiras agroecológicas, roteiros culturais alternativos e oficinas criativas feitas por moradores da cidade têm atraído um público disposto a consumir de forma mais consciente.
Quando o turismo respeita o território
É aí que entra o conceito de turismo responsável. Não se trata apenas de preservar o meio ambiente, embora isso seja essencial. Trata-se de construir uma relação em que tanto o visitante quanto o morador saiam ganhando. Onde o turista venha não só para consumir, mas para compreender o território que visita.
Isso implica capacitar os trabalhadores locais, educar o visitante e fomentar políticas públicas que vão além do imediatismo. Por exemplo:
- Estabelecer limites de visitação em praias mais sensíveis ambientalmente;
- Investir em saneamento básico permanente, não apenas sazonal;
- Incentivar o turismo fora da alta temporada com eventos culturais e esportivos;
- Valorizar produções artísticas e gastronômicas locais como atrativos;
- Oferecer capacitação profissional continuada para jovens e adultos.
Essas ações contribuem para uma economia local mais sólida, cuidam da qualidade de vida de quem mora no litoral e garantem uma experiência mais rica para quem vem de fora.
Impactos a longo prazo: o que estamos plantando?
É preciso tratar o turismo com a seriedade que ele merece. Não como um extra sazonal, mas como parte legítima da engrenagem econômica de muitos municípios costeiros. A questão é: estamos investindo para colher frutos duradouros ou apenas colhendo o que é fácil hoje?
Toda cidade turística tem uma identidade única. Mas, quando essa identidade começa a ser moldada exclusivamente pelas demandas do visitante, corre-se o risco de perder aquilo mesmo que atrai os turistas em primeiro lugar: o verdadeiro espírito do lugar.
Vale lembrar: o turista volta à cidade não apenas pelas praias ou fotos bonitas, mas pela hospitalidade, autenticidade e qualidade da experiência. Cuidar dos moradores é, indiretamente, cuidar do turismo.
Portanto, se o turismo é de fato um pilar econômico das cidades costeiras, é fundamental que ele seja fortalecido de forma justa, responsável e estratégica. Do contrário, se torna uma maré – que enche rápido e esvazia sem aviso.
Será que estamos prontos para navegar essa responsabilidade?
